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Quando a geração millennial entrou para a força de trabalho, trouxe junto a sua bagagem ideológica o desejo de aliar felicidade na vida pessoal e realização profissional em uma única equação. Hoje, chegou a vez da geração Z, nascidos entre 1995 e 2010, ocupar postos em empresas e outros setores. Aqueles millennials idealistas agora estão beirando os 40 anos e já assumem cargos de liderança, receita perfeita para o choque de gerações recheado de embates e críticas que sobram para ambos os lados.

Para os que se sentam nas cadeiras de chefia, há a necessidade de manter a máquina girando mesmo com os desafios e também se adaptar à realidade de funcionários que priorizam questões como saúde mental, diversidade e sustentabilidade. Enquanto para a gen Z, que inicia sua carreira em um cenário pós-pandemia, o desafio é se encaixar em um universo em que a responsabilidade bate à porta e as 24h do dia não parecem suficientes para tantas entregas. Discursos motivacionais, que pregam a saída da zona de conforto e romantizam horas excessivas de trabalho também não se encaixam com o que acreditam. E agora?

Saúde mental como prioridade

Para Marina Roale, head de pesquisas do grupo Consumoteca, a mudança de comportamento no modo de lidar com o trabalho tem a ver com as duas possibilidades que a gen Z se depara: "Ela vê o millennial, que buscou fazer o que ama e não teve recompensas no lado financeiro; e o caminho dos pais, que muitas vezes queriam um emprego apenas para pagar as contas, o que nem sempre é bom. Essas possibilidades fazem com que essa geração encare o emprego de uma maneira mais pragmática".

Para a especialista, o fato de terem entrado no mercado durante a pandemia, período em que o modelo remoto virou a realidade na maioria das empresas, até influenciou neste olhar mais flexível para o modelo corporativo, mas ela ressalta que estudos anteriores feitos sobre a geração Z já sinalizavam esse comportamento: "Não foi só uma questão da pandemia, eles já vinham olhando essa sociedade exausta, com um monte de gente falando em burnout, sobrecarga e a falta de retorno depois de se doar para uma empresa. Um ponto que é muito diferencial dessa geração é o fato de ser a primeira a crescer com um debate de saúde mental na mesa, de forma tão popular", esclarece, e completa com dados de um estudo feito em 2022 pela Consumoteca: "Vimos que 70% dos jovens da geração Z na América Latina consideram que todo mundo deveria fazer terapia se tiver condições de pagar por isso. Como se isso fosse um kit básico que você tem que fazer para conviver em sociedade".

Lina Nakata, professora da FIA Business School e palestrante em gestão de pessoas, diversidade e liderança, também pontua o fato como determinante para este novo olhar: "É uma galera que não tem restrição para falar sobre saúde mental. Realmente colocam seus limites e acusam quando, por causa dessas questões, não vão conseguir produzir, inclusive pedindo licenças médicas, o que dificilmente acontecia antes. Eles não vão se desgastar quando não for uma prioridade", completa ela.

Os nativos digitais e a demissão silenciosa

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), até 2027, os "zoomers", como também são chamados, serão pelo menos um quarto da força mundial de trabalho. Ainda que tenhamos alguns anos pela frente até esse cenário, eles já são tema de estudos de RH e, inclusive, foco de reclamações: "Uma pesquisa do Glassdoor deste ano falou sobre como os recrutadores acham que as pessoas da geração Z são mais arrogantes, não fazem contato visual e têm expectativas salariais irreais", aponta Marina.

Do lado da gen Z, no entanto, se destaca a crítica ao sistema capitalista e a ideia de não ir além do proposto no escopo de trabalho — comportamento que recebeu o nome de quiet quitting, ou demissão silenciosa, em tradução livre: "Essa ideia viral segue a lógica de 'não vou fazer mais do que me pedem porque isso não vai me levar a lugar nenhum'. Se for para se dedicar além no trabalho, eles preferem investir em uma atividade paralela, monetizar um hobbie ou ter um segundo trabalho, porque acham que isso vai dar mais retorno do que ficar numa empresa e demorar a ter uma promoção."

Nascidos no auge da tecnologia e consumidores ávidos de conteúdos rápidos, como os vídeos do TikTok, não é coincidência a necessidade do retorno imediato, como esclarece a head de pesquisas: "É uma geração que não sabe esperar, que nunca ficou numa fila sem ter pelo menos um smartphone para se distrair, então esse tempo do mercado fica longo pra eles". Somado a isso, também está o fato de não comprarem a ideia de sair da zona de conforto em prol do trabalho: "Eles seguem a lógica de 'sim, eu quero trabalhar, eu quero entregar o meu melhor, mas sem me causar desconforto.' Para uma geração que, a todo tempo mapeia gatilhos e tenta se blindar de um mundo que não entrega segurança em nenhum lugar, isso é um grande incômodo. Agora, se eles vão conseguir fugir disso, é outra história", pontua Marina.

A vez da Geração Z bater o ponto — Foto: Foto: MAR+VIN/Acervo Glamour
A vez da Geração Z bater o ponto — Foto: Foto: MAR+VIN/Acervo Glamour

Escuta ativa como solução

Para Lina Nakata, a solução para reter novos talentos e criar um ambiente de trabalho saudável está na escuta ativa e no cuidado de não ver a nova geração sempre como errada: "A nova geração vem com necessidades, expectativas e crenças diferentes; não necessariamente erradas, acho que esse é o ponto. Muitas vezes, as gerações anteriores têm um julgamento de que a Z é frágil, fraca, superficial. Mas, à medida que a gente se abre para entender qual o propósito desse jovem, se cria um ambiente mais colaborativo e muito mais saudável para todo mundo."

Aos 25 anos e formada em ciências econômicas, Suellen Frassetto já passou por três grandes empresas de sua área. Depois do estágio completamente remoto em 2021, em um período ainda nebuloso da pandemia, ela conheceu o sistema híbrido no seu segundo emprego e, mais recentemente, no atual, precisou adaptar a rotina do home office com o novo modelo de trabalho 100% presencial.

Ao pensar sobre o trabalho, indo na contramão da ideia que muitos têm sobre a geração que faz parte, ela não hesita em dizer que ele ocupa o primeiro degrau em sua vida, mas ressalta a importância de priorizar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, além de estabelecer limites pensando no próprio bem: "Acho que é um pouco inerente à minha geração colocar seus limites e ter um entendimento maior sobre eles. Eu vejo muito mais pessoas da minha idade tendo acompanhamento psicológico, falando sobre o assunto e sendo mais abertas sobre isso, enquanto percebo uma relutância maior nas gerações anteriores", destaca.

Beatriz Merino, de 21 anos, estudante de artes do corpo e atriz, também vê o trabalho como uma das partes mais importantes de sua vida. "Costumo dizer que não fui eu quem escolheu a arte, ela quem me escolheu", entende. No entanto, apesar da paixão pelo caminho que decidiu seguir, está longe de romantizar os excessos: "A vida não tem que ser só isso; ninguém deveria se matar de trabalhar para ter condições básicas. Mas, para chegar perto de ter uma boa condição financeira, precisamos nos virar em vários trabalhos e, muitas vezes, conciliar a arte com algum trabalho empresarial porque é quase impossível viver apenas dela", pondera.

Já ao pensarem sobre o assunto que até hoje assombra e frustra grande parte da geração millennial — a ideia de ser feliz no trabalho —, as duas jovens compartilham opiniões diferentes. Ainda que tenha tido boas experiências nas empresas em que trabalhou e que se sinta realizada ao ter seguido a profissão que escolheu desde o ensino médio, para Suellen Frassetto, a colocação ideal seria "se sentir bem com o que faz". "Ser feliz no trabalho, para mim, é uma expressão muito forte, porque felicidade é sobre momentos mais específicos de satisfação, equilíbrio, plenitude. Acho que é possível fazer o que ama, mas tudo vai depender do contexto: do ambiente de trabalho, das pessoas, das tarefas que são passadas a você. E uma coisa que é muito relevante para mim é ver propósito no que estou fazendo", completa.

Beatriz Merino, por sua vez, acredita que é possível unir felicidade e trabalho em uma mesma frase, mas também aponta o propósito como um fator fundamental para essa realidade: "Eu não seria feliz fazendo outra coisa. Acho que, com um trabalho que não suportamos, absolutamente tudo fica mais difícil. Por mais árduo que seja, é lindo ver nossa arte ganhando forma e nascendo no mundo. Eu não trocaria isso por nada", diz.

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